A Advocacia está sob ataque e corre o risco de ver relativizada sua essencialidade e importância. Têm ocorrido diversos eventos que deveriam servir de alerta aos advogados e à OAB, mas a entidade tem feito muito pouco, ou quase nada, para por “os pingos nos ís”.
A advocacia, o Ministério Público, a Defensoria Pública e a Advocacia Pública são funções essenciais à Justiça, sem hierarquia entre si ou em relação aos órgãos do Poder Judiciário, contudo, a Advocacia tem sofrido ataques.
Vamos a alguns exemplos.
Num julgamento, no Tribunal do Júri de Cuiabá, um promotor de Justiça chamou o advogado que fazia a defesa oral de “burro e analfabeto” e não o deixou seguir na defesa, o julgamento teve que ser interrompido.
Noutro incidente, uma jovem juíza de Direito publicou em seu perfil pessoal no Instagram selfies ironizando um advogado durante audiência. A OAB local limitou-se a dizer que “A juíza foi extremamente infeliz e fez comentários desnecessários (…), além de ter sido desrespeitosa com o ato formal e solene que é a audiência, (…)”. E o desrespeito à Advocacia? E o desrespeito ao advogado?
Há centenas de incidentes que caracterizam enorme desrespeito à Advocacia e aos advogados, muitos aqui na nossa região.
MORO E BATOCHIO
Mas o incidente que envolveu o advogado José Roberto Batochio e o juiz federal Sérgio Moro é grave e emblemático. Batochio questionou uma pergunta feita pelo juiz a uma testemunha. Em resposta, Moro disse para o advogado fazer concurso para juiz. “O doutor faça concurso para juiz e assuma a condução da audiência, mas, quem manda na audiência é o juiz”.
Essa fala do Juiz, aplaudida por muitos, contém a falsa premissa e a corrosiva convicção de que há subordinação da Advocacia em relação à magistratura, mas isso é falso.
Ouço com frequência o relato de advogados sobre o tratamento desrespeitoso que passam a sofrer quando seus clientes optam em defender-se ao invés de buscar os benefícios da delação premiada.
Segundo o advogado Nélio Machado, um dia os que apoiam irrestritamente as delações premiadas pedirão desculpas à nação por glorifica-las e tornarem esse instrumento a base do processo penal, desrespeitando direitos e garantias fundamentais e também terão que pedir desculpas a cada um dos advogados e à Advocacia.
A onda de punitivismo cresceu a ponto de quase criminalizar a Advocacia, o que não pode ser tolerado.
E ao mesmo tempo, passamos a conviver com um Ministério Público e com uma Magistratura que, sem nenhum constrangimento, apropriam-se do Executivo e do Legislativo, tudo histericamente aplaudido por uma opinião pública acrítica.
GOLPE DE 1964
É até possível um paralelo entre esses fatos e aqueles que antecederam o golpe militar de 1964; naquele então a OAB apoiou o golpe militar que depôs o presidente João Goulart, instituindo uma ditadura no país. Com o passar do tempo a OAB admitiu que errou e acabou sendo fundamental no processo de reconstrução da democracia. A OAB está errada em calar-se diante dos excessos e do desrespeito contra advogados e contra a Advocacia, pois ele representa pouco apreço à democracia.
Apesar de todo esforço desenvolvido por parte do Poder Judiciário e do Ministério Público (com diligente ajuda de parte da mídia) em desqualificar a Advocacia, o artigo 133 da Constituição prevê expressamente que “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.
Nós, advogados e advogadas, estamos cansados de sofrer as reiteradas violações às nossas garantias e prerrogativas. Muitos advogados e advogadas, no legitimo exercício do direito de defesa dos interesses e direitos de seus clientes, são atacados, desrespeitados e expostos a vexame infundado e injusto – quem vive a Advocacia e da Advocacia sabe a que estou me referindo – e isso não pode seguir acontecendo.
Se lei federal afirma que “não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público”, por que há tantas diferenças de tratamento entre advogados e promotores?
O fato é que a Advocacia, tal qual a História democrática a esculpiu, está sob risco e muito pouco tem sido feito para que esse delírio institucional seja corrigido. Os que desejam uma Advocacia cordial e submissa flertam com o totalitarismo e, segundo Hannah Arendt, no totalitarismo os defensores das liberdades serão sempre atacados.
Noutras palavras: se a Advocacia for relativizada o Estado Social e Democrático de Direito estará comprometido.
Lanço minhas inquietações ao debate.
Fonte: Jornal TODODIA
Data: 29/04/2018