DIREITO PENAL EXCLUSÃO DO CRIME – IMUNIDADE PARLAMENTAR E LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Considerou que os pronunciamentos do parlamentar contidos na peça acusatória estão vinculados ao contexto de demarcação e proveito econômico das terras e configuram manifestação política que não extrapola os limites da liberdade de expressão. Para o relator, não se pode confundir o interesse na extinção ou diminuição de reservas indígenas ou quilombolas com a supressão e eliminação dessas minorias. Ademais, o emprego, no discurso, do termo “arroba” não consiste em ato de desumanização dos quilombolas, no sentido de comparação a animais, mas forma de expressão – de toda infeliz –, evocada a fim de enfatizar estar um cidadão específico do grupo acima do peso considerado normal.

Quanto à incitação a comportamento xenofóbico, reputou insubsistentes as premissas apresentadas pela acusação. O delito é de perigo abstrato, cuja tipicidade há de ser materializada teleologicamente, ou seja, embora não se exija que do discurso dito incitador sobrevenha a efetiva prática de atos discriminatórios, é imprescindível a aptidão material do teor das falas a desencadeá-los.

No caso, as afirmações do denunciado se situam no âmbito da crítica à política de imigração adotada pelo Governo e não revelam conteúdo discriminatório ou passível de incitar pensamentos e condutas xenofóbicas pelo público ouvinte. O próprio acusado diz não fazer distinção quanto à origem estrangeira do imigrante. A crítica também se insere na liberdade de manifestação de pensamento, insuscetível, portanto, de configurar crime.

Observou, por fim, que o convite referente à palestra se deu em razão do exercício do cargo de deputado federal ocupado pelo acusado, a fim de proceder à exposição de visão geopolítica e econômica do País.

O relator reconheceu a vinculação das manifestações apresentadas na palestra com pronunciamentos do parlamentar na Câmara dos Deputados. Concluiu que, existente o nexo de causalidade entre o que veiculado e o mandato, tem-se a imunidade parlamentar. As declarações, ainda que dadas fora das dependências do Congresso Nacional e eventualmente sujeitas a censura moral, quando retratam o exercício do cargo eletivo, a atuação do congressista, estão cobertas pela imunidade parlamentar e implicam a exclusão da tipicidade.

Em divergência, o ministro Luís Roberto Barroso votou pelo parcial recebimento da denúncia, tendo sido acompanhado pela ministra Rosa Weber.

Considerou que, apesar de as manifestações do acusado em relação aos estrangeiros estar protegida pela liberdade de expressão e pela imunidade parlamentar, os pronunciamentos sobre quilombolas, afrodescendentes e sobre “gays” configuram, respectivamente, os delitos previstos no art. 20 da Lei 7.716/1989 e de incitação ao crime e apologia de crime, constantes dos artigos 286 e 287 (5) do CP.

Segundo o ministro Barroso, os termos “arrobas e procriador”, usados pelo parlamentar, se referem a animais irracionais, e que, portanto, a equiparação de pessoas negras a bichos é um elemento plausível para fins de recebimento da denúncia.

Em relação aos “gays”, destacou trechos das manifestações do acusado no sentido de que preferiria um filho morto a vê-lo com um outro homem e que, se visse dois homens se beijando na sua frente, os agrediria.

Asseverou estar-se diante de tipo de discurso de ódio que o direito constitucional brasileiro não admite, que é o ódio contra grupos minoritários, historicamente violentados e vulneráveis. Para o ministro, a proteção dos direitos fundamentais das minorias é um dos papéis mais importantes de um tribunal constitucional. Ninguém é melhor do que ninguém, somos todos iguais e devemos nos comportar com o mínimo de fraternidade, sem prejuízo da mais ampla liberdade de expressão.

Salientou que a homofobia mata, de acordo com dados estatísticos revelados sobre assassinatos contra integrantes de comunidades “gays”, e que, em razão disso, não devemos tratar com indiferença discursos de ódio, de agressão física em relação a pessoas que já sofrem outras dificuldades e outros constrangimentos na vida.

O modo como foram tratadas as pessoas negras, os quilombolas e as pessoas de orientação sexual “gay”, nas declarações do acusado, comporta o recebimento da denúncia e o prosseguimento do processo para que o dolo específico seja verificado, as testemunhas sejam ouvidas e a defesa produza provas.

Não receber a denúncia, neste caso, significa transmitir uma mensagem errada para a sociedade brasileira de que é possível tratar com menosprezo, desprezo, diminuição e menor dignidade as pessoas negras ou os homossexuais.

Em seguida, o ministro Alexandre de Moraes pediu vista dos autos.

(1) Lei 7.716/1989: “Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.”
CP: “Art. 70 – Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior.”
(2) CF: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;”
(3) CF: “Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.”

(4) CP: “Art. 286 – Incitar, publicamente, a prática de crime (…) Art. 287 – Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime: (…)”

12/09/2018

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