“…o homem é um animal político…” – Aristóteles.
A equipe de transição do futuro governo Lula e Alckmin tem recebido pressão inédita, além de críticas prematuras, do “mercado”, dos movimentos sociais e da própria mídia e vem sendo tratada como uma espécie de “governo de transição”, que não é.
Um bom amigo que participa de um dos grupos temáticos da ‘transição’, reclamava da pressão e das críticas que a ‘transição’ vem sofrendo e apresentou as razões pelas quais ele julga que ambas são injustas. “O que fazer?” perguntou retoricamente.
Eu disse a ele “Getúlio ensinou o que fazer e Lula está fazendo direitinho”, a que ele respondeu, “mas como?”.
Disse a ele que Lula tem que administrar interesses divergentes, tem que exercitar a arte, inaugurada por Getúlio: subir num umbuzeiro e só descer quando for seguro, “tirar as meias sem descalçar os sapatos” e falar sem dizer muito.
Ele olhou para mim incrédulo e perguntou: “você é mineiro?”, respondi: “sou pontepretano e campineiro, mas sou um quarto mineiro, meu avô Pedro nasceu em Frutal, no triângulo”, e contei para ele duas histórias.
A primeira história. Getúlio Dornelles Vargas, então com quatorze anos, viveu uma experiência que marcou seu modo de conduzir os assuntos mais delicados.
Certa vez seu pai e um grupo de estanceiros tomavam chimarrão para tratar de política e negócios, quando um estrondo vindo de dentro de casa fez com que ele, veterano na Guerra do Paraguai, interrompesse a reunião e, apressado, entrasse em casa para ver o que tinha acontecido: a pintura de Júlio de Castilhos, herói e mito da Proclamação da República, se espatifara no chão, uma tragédia.
O pai enfurecido sentenciou: “isso é obra de Getúlio Dorneles Vargas”.
Getulinho, apavorado com as possíveis consequências, fugiu e subiu em um umbuzeiro ao lado da casa e só desceu na manhã seguinte, quando a fúria de seu pai já teria se transformado em preocupação e aflição (Manuel Vargas e sua mulher, dona Candoca, haviam passado a noite em claro e foram se desesperando com o sumiço do filho).
Getúlio escapou do castigo e levou do episódio uma lição: o melhor a fazer é subir no umbuzeiro, esperar, resistir, usar o tempo como aliado até que tudo esteja a seu favor. E então descer com segurança.
Segunda história. Getúlio – ainda presidente do estado do Rio Grande do Sul, mas já pretendendo apresentar uma candidatura alternativa a Júlio Prestes -, precisava manter relações cordiais com o Presidente da República Washington Luís, que queria como sucessor Júlio Prestes.
E havia ainda as demandas concretas do Rio Grande – e precisava de Washington Luís para obter empréstimo de 20 mil contos de réis, a serem contratados junto ao Banco do Brasil; o recurso era necessário a atender os produtores regionais de charque -, por isso, se derramava em mesuras, chegando a orientar a bancada gaúcha a ir em bloco cumprimentar o presidente no Catete, num “verdadeiro beija-mão majestático em plena República”, como escreveu Lira Neto na biografia do futuro ditador.
Getúlio era também mestre em “falar sem dizer nada” e de mover-se apenas quando nada de mal pudesse acontecer.
Meu amigo balançou a cabeça, como que dizendo “entendi”.
Fato é que Lula e Alckmin vivem desafios que nenhum outro presidente eleito após a ditadura e após Sarney viveu.
O governo que se despede cumpriu o que prometeu: “destruiu muita coisa”.
Não estou inventando histórias. Basta lembrar que num jantar nos EUA, com representantes da extrema-direita estadunidense Bolsonaro disse que chegara para destruir e não para construir alguma coisa.
O OlavoBolsonarismo nunca escondeu que alcançou o poder para levar adiante um projeto de demolição e destruição de toda a institucionalidade criada a partir de 1988, ou nas suas palavras: “o Brasil não é um terreno aberto onde nós iremos construir coisas para o nosso povo. Nós temos que destruir muita coisa”.
No mesmo jantar o então presidente eleito Jair Bolsonaro afirmou ter sido eleito com base no preceito da verdade, mas suas campanhas, tanto a de 2018, quanto a de 2022, foi toda ancorada em mentiras.
Mas voltemos à transição.
Para que a transição de governo ocorra de maneira transparente e como forma de minimizar a sensação de ruptura política, a Lei 10.609/2002 garante ao candidato eleito o direito de constituir uma equipe. Essa equipe de transição tem por objetivo inteirar-se do funcionamento dos órgãos e entidades que compõem a administração pública federal, além de preparar os atos de iniciativa do novo presidente, a serem editados imediatamente após a posse.
Tudo muito civilizado, não? Não, não é, pois o presidente que está de saída é Jair Bolsonaro, um dos populista autoritários de extrema-direita que ao redor do mundo impõe às democracias constitucionais viverem tempos difíceis.
Bolsonaro, Viktor Orbán, Trump e Tayyip Erdoğan, desafiam o funcionamento regular das instituições democráticas e a sobrevivência dos direitos fundamentais; ele é um terrorista capaz de mentir para manter seus seguidores em surto e fazendo coisas ridículas na frente de quarteis e praticando ilegalidades de toda a ordem, tudo em nome de uma “censura” inexistente e da defesa da liberdade, que não corre nenhum risco, além de estarem dispostos a matar e morrer para combater o comunismo, ideologia que sequer alcança representação relevante no congresso nacional.
Por isso Lula deve descer do umbuzeiro quando for seguro, para colocar em andamento o projeto de reconstrução nacional, um projeto responsável fiscal e socialmente e, quando descer mostrar que é capaz de “tirar as meias sem descalçar os sapatos”.
Essas são as reflexões.
Pedro Benedito Maciel Neto, 58, advogado, sócio da MACIEL NETO ADVOCACIA – www.macielneto.adv.br , autor de “Reflexões sobre o estudo do Direito”, ed. Komedi, 2007 – pedromaciel@macielneto.adv.br