OS DIREITOS HUMANOS A AGUA E AO SANEAMENTO

O acesso à água é um direito vital para a dignidade de todos os seres humanos

Audrey Azoulay.

O governo federal retorno ao tema da privatização dos serviços de água e esgoto, o faz na contramão do que ocorre no mundo.

Antes alguns registros: três entre cada dez pessoas não têm acesso a água potável segura. Quase a metade das pessoas que consome água potável de fontes desprotegidas vivem na África Subsaariana. Seis entre cada dez pessoas não têm acesso a serviços de saneamento gerenciados de forma segura, e uma em cada nove pratica a defecação ao ar livre.

Esses números mundiais escondem as desigualdades significativas que há entre e dentro de regiões, países, comunidades e até mesmo bairros. Estudos mundiais de custo–benefício demonstraram que os serviços de água, saneamento e higiene (Water, Sanitation and Hygiene – WASH, na sigla em inglês) fornecem bons retornos sociais e econômicos quando comparados a seus custos, com proporções médias mundiais de benefício–custo de 5,5 para serviços de saneamento melhorados e de 2,0 para água potável melhorada. É provável que os benefícios de melhores serviços de WASH para grupos vulneráveis alterariam o equilíbrio de qualquer análise de custo–benefício que considere mudanças na autopercepção do status social e da dignidade desses grupos.

Essa realidade não é objeto de atenção ou preocupação das companhias interessadas na privatização dos serviços de água, saneamento e higiene, o foco delas é o lucro e aqueles de defendem com argumentos rasos e sedutores a transferência desses serviços para a iniciativa privada são agentes de seus interesses e não do interesse público.

E mais, o acesso à água e ao saneamento é reconhecido internacionalmente como um direito humano, os direitos humanos não podem ser privatizados, ainda mais quando mais de 2 bilhões de pessoas não dispõem dos serviços mais básicos.

Mas para o atual governo federal, e não era diferente no governo Temer, as empresas de saneamento devem ser privatizadas por dois motivos: primeiro porque valeriam 140 bilhões de reais e, segundo, porque a universalização da água e esgoto não será atingida sem a venda das companhias o setor privado, noutras palavras, não há disposição desse governo em financiar obras de saneamento, não há compromisso com a vida, com a saúde ou com a qualidade de vida dos brasileiros.

Bem, vamos em frente. Discordo das premissas que fundamentariam a orientação de venda das companhias ou concessão dos serviços. Pesquisando, com honestidade, o que ocorreu no mundo com os serviços de água e afastamento de esgoto sem o controle do Estado observamos que a foi um retumbante fracasso.

De acordo com o Transnational Institute – TNI, organismo internacional de pesquisa e financiamento que há mais de 40 anos atua ao lado de movimentos sociais, sindicais e acadêmicos, há em todo o mundo 835 casos de retomada do controle sobre serviços públicos por governos locais, dos quais 267 na gestão da água.

No período de 2000 a 2017 – com número de “reestatização” cinco vezes maior a partir de 2009 – a remunicipalização da água ocorreu sobretudo na França, onde há 106 casos.

Segundo a TNI a remunicipalização ou reestatização vem sendo conduzida por políticos de todas as tendências político-partidárias, o que revela que, na privatização, ao contrário de suas promessas, as parcerias público-privadas são benéficas apenas para advogados e auditores e não para os cidadãos, que acabam pagando mais caro pelo mais essencial recurso natural à vida.

Para se ter uma ideia, quando Paris remunicipalizou a água, em 2010, os custos foram reduzidos de imediato em 40 milhões de euros, montante obtido anualmente pelas empresas do operador privado.

O TNI destaca ainda que a visão municipalista, cada vez mais forte em todo o mundo, proporciona janela de oportunidades para cidadãos e os trabalhadores recuperar o controle democrático corroído pela lógica dasprivatizações ao longo das últimas décadas na Europa. Não precisamos passar por isso.

Curiosamente no 8º Fórum Mundial da Água, observou-se empresários defendendo soluções que não lograram sucesso em outros países onde o modelo já opera há mais tempo.

O último Relatório Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos, intitulado “Não deixar ninguém para trás, explora os sinais de exclusão e investiga formas de superar as desigualdades. O documento foi lançado em Genebra, na Suíça, durante a 40ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos.

Em 2010, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou uma resolução que reconheceu “o direito à água potável segura e limpa e ao saneamento como um direito humano” e, em 2015, o direito humano ao saneamento foi reconhecido de forma explícita como um direito distinto.

Esses direitos obrigam os Estados a agirem rumo à obtenção do acesso universal à água e ao saneamento para todos, sem discriminação, ao mesmo tempo em que devem dar prioridade às pessoas mais necessitadas.

Água potável e saneamento seguros são reconhecidos como direitos humanos básicos, uma vez que eles são indispensáveis para sustentar meios de subsistência saudáveis e fundamentais para manter a dignidade de todos os seres humanos. A legislação internacional em matéria de direitos humanos compele os Estados a trabalharem para alcançar o acesso universal à água e ao saneamento para todos, sem discriminação, priorizando ao mesmo tempo as pessoas mais necessitadas. A realização dos direitos humanos à água e ao saneamento exige que os serviços sejam disponíveis, física e financeiramente acessíveis, seguros e culturalmente aceitáveis. “Não deixar ninguém para trás” está no coração do compromisso da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, que visa a permitir que todas as pessoas em todos os países se beneficiem do desenvolvimento socioeconômico e atinjam a plena realização dos direitos humanos. Deve-se tomar cuidado para diferenciar de forma clara os “direitos de uso da água” dos direitos humanos à água e ao saneamento. Os direitos de uso da água, que normalmente são regulados por leis nacionais, são atribuídos a um indivíduo ou organização por meio de direitos de propriedade ou direitos fundiários, ou por meio de um acordo negociado entre o Estado e um ou mais proprietários de terras. Muitas vezes, tais direitos são temporários e podem ser retirados em certas circunstâncias. Diferentemente desses, os direitos humanos de acesso à água e ao saneamento não são temporários, não estão sujeitos à aprovação estatal, nem podem ser retirados.

Os governos não podem, portanto, transformar um direito humano em mercadoria, sob nenhum argumento.

Essas são as reflexões.

Autor: Pedro Benedito Maciel Neto, 55, advogado, Presidente do Conselho de Administração da Sociedade de Abastecimento de Água e Saneamento S/A (SANASA) pedromaciel@macielneto.adv.br

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